quinta-feira, 24 de maio de 2012

As Vozes de Maio


Mariana Ornelas (*)

            Com o surgimento da Re­volução Industrial nos séculos XVIII e XIX, as pessoas pas­saram a trabalhar horas infinitas em fábricas.

A maioria dos trabalhadores era mulheres e crianças, pois eram mais baratos. De facto, até à primeira metade do séc. XIX, 70% da mão-de-obra utilizada na indústria era composta por mulheres e crianças, com a finalidade de poupar nos salários. A abundante presença de crianças explica-se também pela maior facilidade de imposição de disciplina.

O trabalho nas fábricas e o desconhecimento legal de direitos elementares suscitaram entre os operários um sentimento de insatisfação e de descontentamento, que se manifestou de modo violento. Deste modo, na década de quarenta e cinquenta do século XIX surgiram as primeiras lutas das trabalhadoras, sendo uma das primeiras queixas, a realidade contra o desemprego em consequência das frequentes crises industriais. As primeiras manifestações operárias que conhecemos na revolução industrial são contra as máquinas, nas quais o operário via um competidor (máquina) que favorecia a descida dos salários e provocava o desemprego, facto que não deixa de ser muito interessante tendo em conta a nossa actualidade. 

É neste contexto que surge a manifestação do dia 8 de Março de 1857 esta foi uma das mais significativas, pois teve como consequência a morte das 130 operárias tecelãs. Este acto totalmente desumano nunca foi esquecido entre os trabalhadores/ras da época e foi um dos acontecimentos que veio originar o 1º de Maio.

 O 1º de Maio surgiu no seguimento de uma manifestação que ocorreu em 1886 na cidade de Chicago, Estados Unidos da América. A manifestação tinha como finalidade reivindicar a redução de trabalho para 8 horas diárias e teve a participação de 500 mil trabalhadores­, a maioria eram mulheres. Nesse dia, devido a tal manifestação teve também início uma greve geral nos EUA.

 No dia 3 de Maio a polícia entreviu e consequentemente, morreram alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de Maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, neste dia, morreram mais doze pessoas e dezenas ficaram feridas. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket. Três anos mais tarde, a 20 de Junho de 1889, a Internacional Socialista reunida em Paris decidiu convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago. Em 1 de maio de 1891 ocorre uma manifestação no norte de França e o resultando é novamente a morte de diversos manifestantes. Esse novo drama reforçou ainda mais o dia 1º de Maio como um dia de luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Meses depois a Internacional Socialista de Bruxelas proclama o dia 1º de Maio como dia Internacional da reivindicação das condições laborais.

É de realçar o papel da mulher em tais movimentos sociais. A manifestação do dia 8 de Março foi um marco, tendo sido uma das primeiras manifestações da Revolução Industrial, foi o início da luta dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

As mulheres de acordo com o relatório sobre a Situação da População Mundial em 2010, do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), têm imensa resiliência e devido a tal facto tentam ultrapassar as dificuldades em momentos de crise. O documento mostra também que as mulheres que sobreviveram a momentos difíceis, trabalharam para que as sociedades estejam futuramente mais preparadas para as proteger a si e à sua família. No mundo as mulheres continuam a ser as principais agentes na prestação de cuidados. Devido a tal facto, estas acabam por cuidar das pessoas que foram vítimas de abuso e de confrontos sociais. Ao ver o sofrimento humano acabam por querer lutar por um futuro melhor.

Este relatório demonstra o que possivelmente as cerca de 70% das operárias sentiam nos meados do século XIX, estas mulheres queria proteger-se e ter tempo para si, para a sua família e para os seus filhos. Estas não queriam ver os seus filhos a trabalhar tal como as mães infinitas horas nas fábricas.

A memória destas pessoas que lutaram por uma sociedade melhor não deve ser esquecida, a suas mortes não poderão ter sido em vão.

 Para que as “Vozes de Maio” nunca sejam esquecidas e nunca sejam caladas, as mulheres actuais deverão continuar a lutar pelos seus direitos, pois infelizmente em momentos de crise, somos nós e as crianças, as mais sacrificadas. 


 (*) Mariana Ornelas
Psicóloga da UMAR Açores / CIPA
Delegação da Terceira


Publicado na Página Igualdade XXI no Jornal Diário Insular de 23 de Maio de 2012


Testemunho de uma trabalhadora da Revolução Industrial



Carta de Betty Harris, 37 anos, denunciando as terríveis condições de vida dos/as trabalhadores/ras durante a Revolução Industrial:


“ Casei-me aos 23 anos, e foi somente depois de casada que desci à mina; não sei ler nem escrever. Trabalho para Andrew Knowles, da Littel Bolton (Lancashire). Puxo pequenos vagões de carvão; trabalho das 6 da manhã às 6 da tarde. Há uma pausa de cerca de uma hora, ao meio-dia, para almoço; dão-me pão e manteiga, mas nada para beber. Tenho dois filhos, porém eles são jovens demais para trabalhar. Eu puxava estes vagões, quando estava grávida. Conheci uma mulher que voltou para casa, lavou-se e deitou-se, deu à luz e retomou ao trabalho menos de uma semana depois. Tenho uma correia à volta da minha cintura e uma corrente que passa por entre as minhas pernas e ando sobre as mãos e pés. O caminho é muito íngreme, e somos obrigados a segurar uma corda – e quando não há corda, agarramo-nos a tudo o que podemos. Nas minas onde trabalho, há seis mulheres e meia dúzia de rapazinhos e rapariguinhas; é um trabalho muito duro para uma mulher. No local onde trabalho, a cova é muito húmida e a água abundante. Um dia a água chegou até à minha cintura. E o que cai do tecto é terrível! As minhas roupas ficam todas molhadas, todo o dia. Nunca fiquei doente na minha vida, a não ser na época dos partos. Estou muito cansada quando volto à noite para casa, às vezes adormeço antes de me lavar. Não sou tão forte como dantes, não tenho mais a mesma resistência no trabalho. Estes vagões arrancam-me a pele; a correia e a corrente são ainda piores quando se espera uma criança”.


 Para que a História não se repita!

Publicado na Página Igualdade XXI no Jornal Diário Insular de 23 de Maio de 2012 

As Mulheres e o 25 de Abril


Mariana Ornelas (*)

Celebramos, no passado dia 25 mais um ano de Liberdade Democrática, Social e Cultural. O 25 de Abril foi um dos acontecimentos históricos mais relevantes na vida do/as Portuguese/as. Com a revolução surgiu a Liberdade, a Democracia mas não só, surgiram também os direitos dos trabalhadores, os direitos das mulheres, o serviço nacional de saúde, o serviço nacional de educação, o direito à justiça, ou seja, com a revolução de Abril nasceu também o Estado Social.

O Estado Novo foi instaurado em Portugal em 1933 e terminou a 25 de Abril de 1974. Durante este período a igualdade de oportunidades entre as pessoas era aquém do que é actualmente, isto porque devido ao seu cariz conservador e tradicionalista a vida das pessoas era dificultada ou facilitada de acordo com o seu poder económico, condição social, convicções políticas, religiosas ou ideológicas, instrução, território de origem, orientação sexual, sexo…

As mulheres estavam associadas aos papéis de donas-de-casa, mãe e companheira, e pouco mais. Poucas trabalhavam e aquelas que o faziam, ganhavam cerca de 40% menos do que os homens. A lei do contrato individual do trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de casa. Se a mulher exercesse actividades lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o seu contrato de trabalho junto da entidade empregadora. As mulheres não tinham acesso às seguintes carreiras: magistratura, diplomacia, militar e polícia. Certas profissões (por ex., enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o direito de casar.

O único modelo de família aceite era o casamento entre homem e mulher. A mulher, face ao Código Civil, podia ser rejeitada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento O casamento católico era indissolúvel (os casais não se podiam divorciar). A família era dominada pelo homem, este era o único administrador dos bens comuns do casal. Estava na lei, que “pertence à mulher a vida em comum e o governo doméstico”. Havia distinção entre filhos legítimos e ilegítimos (nascidos dentro e fora do casamento): os direitos de uns e outros eram diferentes. Mães solteiras não tinham qualquer protecção legal. O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher. O Código Penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção), sofrendo apenas um desterro de seis meses. Até 1969, a mulher não podia viajar para o estrangeiro sem uma autorização do marido ou do pai.

Em questões de cidadania e liberdade política, até final da década de 60, as mulheres só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem um curso médio ou superior. Em 1968 a lei estabeleceu a igualdade de voto para a Assembleia Nacional de todos os cidadãos que soubessem ler e escrever. O facto de existir uma elevada percentagem de analfabetismo em Portugal, que atingia sobretudo as mulheres, determinava que, em 1973 apenas houvesse 24% dos eleitores recenseados. As mulheres apenas podiam votar para as Juntas de Freguesia no caso de serem chefes de família (se fossem viúvas, por exemplo), tendo de apresentar atestado de idoneidade moral.

 Em relação à saúde sexual e reprodutiva os médicos não estavam autorizados a receitar contraceptivos orais. O aborto era punido em qualquer circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica; muitos distritos não tinham maternidade. A mulher não tinha o direito de tomar contraceptivos contra a vontade do marido, pois este podia invocar o facto para fundamentar o pedido de divórcio.

Estes são apenas alguns exemplos da situação difícil em que a mulher Portuguesa se encontrava, e que durou até ao dia 25 de Abril de 1974, altura em que a democracia chegou a Portugal. Hoje a mulher já tem um papel mais activo na sociedade, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres aumentou e tudo graças à Revolução de Abril. Deste modo, como mulher, agradeço a todos que directamente ou indirectamente colaboraram e participaram na Revolução de Abril e com isso terem melhorado a vida de todas as mulheres. 

Para finalizar e para que a História não se repita, é necessário que os cidadãos e cidadãs nascidos depois do 25 de Abril de 1974 tenham conhecimento deste momento histórico e que cresçam com a consciência de que as conquistas democráticas e os mais básicos direitos de cidadania são filhos directos de tal Revolução. O momento crítico que o país atravessa tem vindo a ser aproveitado para promover a herança material e económica e com isso esquecer tais direitos e ideologias de igualdade. A ignorância sobre a nossa História e simultaneamente com a crise económica actual pode significar um retrocesso sério, inédito e porventura irreversível.

(*) Mariana Ornelas
Psicóloga da UMAR Açores / CIPA
Delegação da Terceira

Publicado na página Igualdade XXI no Jornal Diário Insular a 4 de Maio de 2012

“UMA FLOR POR AMOR, UMA FLOR CONTRA A DOR, UMA FLOR CONTRA O RACISMO!”


Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial


Exemplo de uma das mensagens que acompanhavam as 700 flores distribuídas.


No passado dia 21 de Março assinalou-se o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial em parceria com a AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores e o Gabinete de Assessoria ao Jovem da Praia da Vitória (Direcção Regional da Juventude).

Foram distribuídas 700 flores em Angra do Heroísmo e Praia da Vitória e todo/as foram convidado/as a participar na iniciativa reutilizando as flores distribuídas ou criando outras (artificiais, em papel, ou desenhadas) acompanhadas de mensagens contra o racismo e xenofobia, para posterior colocação num espaço público, incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo. Solicitávamos ainda que fotografassem o gesto e nos enviassem por e-mail para posterior disponibilização através da internet no endereço http://www.facebook.com/events/242571559168309/

Para além das flores que foram distribuídas pelas técnicas e voluntárias da AIPA e UMAR Açores, participaram directamente na iniciativa cerca de 400 pessoas.

Em nome de todas as entidades envolvidas, gostaríamos de agradecer a disponibilidade para colaborar com a iniciativa a todas as pessoas que participaram a título individual bem como às seguintes instituições: EB1/JI do Pico da Urze, São Pedro; EB1/JI Professor Maximino Fernandes Rocha, Terra Chã; EB1,2,3/JI Francisco Ornelas da Câmara, Praia da Vitória; EB1/JI da Fonte Bastardo; EB1/JI Pd. Lino Vieira Fagundes, Lajes; EB1/JI do Porto Martins; EB1/JI de Santa Rita; EB1/JI de São Brás; Creche e ATL “Olhar Infantil”, Vilanova; Centro Social e Paroquial da Ladeira Grande; Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo; P.S.P. de Angra do Heroísmo; Associação de Pais e Amigos da Criança Deficiente da Praia da Vitória; Cáritas da Ilha Terceira; Caixa Económica da Misericórdia – Agência da Praia da Vitória e funcionário/as da Pronicol.

Publicado na página Igualdade XXI no Jornal Diário Insular de 4 de Maio de 2012.

HOMOFOBIA - Crime


Por
Mariana Ornelas (Psicóloga)
Xénia Leonardo (Jurista)

A homofobia consiste numa série de atitudes e sentimentos negativos em relação a homossexuais. Normalmente, tais comportamentos traduzem-se em antipatia, desprezo, preconceito, aversão ou medo irracional. Esta é a definição de homofobia, que na prática se traduz muitas vezes em actos de violência, contra quem se assume publicamente como sendo homossexual.

Nos tempos de escola, quantos de nós nos sentimos solidários com os colegas, que eram vítimas de maus-tratos por serem um pouco diferentes. E quantos de nós não terão consentido na agressão, apenas com o seu silêncio. E quantos de nós (espero que poucos), não terão sido os agressores de tais vítimas. No entanto, raramente se pensa nas vítimas de tais agressões, como vítimas de um crime.

Se pensarmos que um colega ou amigo está a ser agredido, por ser de um partido político diferente ou de um clube de futebol, pensamos não só em defendê-lo, como também em nos solidarizarmos com ele, quando o mesmo for às entidades competentes apresentar queixa-crime. E se a agressão for por questões raciais ou étnicas, não só tomamos o partido do amigo ou colega, como ainda ficamos chocados com o racismo/xenofobia demonstrado(a) pelo agressor.

Isto porque o racismo ou a xenofobia são formas de preconceito universalmente condenadas e censuradas.

No entanto, em questões relacionadas com a orientação sexual, muitos de nós optam por ignorar ou até mesmo incentivar a agressão. Não se compreende o porquê de atitudes diferentes, perante agressões motivadas por factores de discriminação idênticos aos que estão por detrás de uma agressão motivada por racismo/xenofobia. Os valores protegidos são os mesmos, a liberdade de escolha de cada um, o direito de optar e de ser respeitado pela sua decisão.

Ninguém tem o direito de tratar um grupo de pessoas como sendo de menor valor ou merecedores de menos respeito.

Embora possamos discordar da forma como cada um encara a sua sexualidade e a sua escolha de parceiro sexual, a mesma tem de ser respeitada. Os limites da nossa liberdade são definidos pelo início da liberdade dos outros. E quando se ultrapassa esses limites, tem de haver responsabilização.

E esse nível de responsabilização pode resultar num processo-crime.

Nos termos da nossa legislação, pratica um crime de ofensa à integridade física qualificada, quem ofender o corpo ou a saúde de outrem motivado e determinado por um ódio gerado pela orientação sexual da vítima. A qualificação do crime resulta da especial perversidade e censurabilidade que está presente na motivação do agressor (artigos 143º ou 144º, 145º e 132º, n.º 2, f), do Código Penal).

A pena a aplicar a quem praticar este tipo de crime, poderá variar consoante estivermos perante uma ofensa à integridade física simples (artigo 143º, do Código Penal) ou de uma ofensa à integridade física grave (artigo 144º, do Código Penal). No primeiro caso poderá ir até quatro anos de prisão e no segundo caso entre três e doze anos de prisão.

A UMAR Açores – Associação para a Igualdade e Direitos das Mulheres e o Cipa – Centro de Informação, Promoção e Acompanhamento de Políticas de Igualdade, no âmbito do espírito que norteia as suas intervenções, censuram tais formas de violência, determinadas pela orientação sexual.

A UMAR Açores/ Cipa incentivam que haja uma sensibilização perante toda a população para esta temática, nomeadamente na população escolar e outros públicos, que se tem traduzido através de acções de sensibilização nas escolas e outras instituições que as solicitem.

Na sequência de todas essas iniciativas, vem agora a UMAR Açores/Cipa, chamar a atenção dos leitores para o dia 17 de Maio, que comemora o Dia Internacional para a Eliminação da Homofobia.


Artigo publicado nos Jornais A União e Diário Insular a 17 de Maio de 2012 - Dia Internacional da Luta contra a Homofobia.