sexta-feira, 29 de julho de 2011

O que é a Homofobia?


Por Miguel Vale de Almeida
Antropólogo; ativista LGBT; ex-deputado à A.R.

A homofobia é o preconceito contra as pessoas homossexuais. É, nas questões de orientação sexual, equivalente ao racismo para as questões raciais ou ao sexismo para as questões de género. A sua origem está, aliás, relacionada com a do sexismo. Vivemos modelos históricos e culturais específicos de organização do género, isto é, dos atributos, direitos, deveres, papéis, etc, atribuídos a homens e mulheres. Eles são atribuídos de forma aparentemente simétrica, mas na realidade estabelecem uma hierarquia e uma assimetria – a que levou a que até há bem pouco tempo (e ainda...?) os homens tivessem mais liberdade, prestígio e poder do que as mulheres em função do sexo identificado à nascença. Uma das características dos padrões tradicionais ocidentais de organização do género é a própria heterossexualidade normativa, obrigatória. As pessoas são (eram...?) educadas para a heterossexualidade e os desejos ou experiências homossexuais são remetidas para o silêncio e a invisibilidade. Não sendo as pessoas homossexuais identificáveis por características físicas (ao contrário da diferença “racial” ou da diferença de sexo), é comum que o gay ou a lésbica cresçam na ausência de referências de homossexualidade, sentindo-se isolados/as, aceitando as classificações que historicamente os e as definiram como pecaminosos/as, doentes ou criminosos/as. A sua primeira confrontação com a homossexualidade – e o mesmo acontece aos e às heterossexuais – é com o insulto, com os nomes feios que se ouvem dizer para designar a figura imaginária do homossexual perverso, ou como exemplo de um comportamento que retiraria dignidade e prestígio. É por estas razões – o silêncio, a invisibilidade, o insulto – que a criação de identidades coletivas e sociais gay e lésbicas foi tão importante, a partir dos anos sessenta, para que mais pessoas se sentissem dignas. Ainda hoje a visibilidade – e a recusa da vergonha, através do orgulho em se ser quem se é – é uma estratégia fundamental na obtenção de reconhecimento e direitos, até porque os gays e as lésbicas não se reproduzem enquanto grupo ou população, ao contrário, por exemplo, de uma minoria étnica. Ser homossexual é ter uma orientação sexual, do desejo e dos afectos, por pessoas do mesmo sexo e, nesse sentido, deve ser visto como algo simétrico de ser-se heterossexual. No entanto, as estruturas sociais, a família, e os padrões culturais têm apresentado sistematicamente a heterossexualidade como a única via para a plenitude afetiva e sexual. Em vez de se esperar por uma lenta e desesperante “mudança de mentalidades” (que no entanto deve ser promovida, pela educação, pela formação antidiscriminação, etc), cabe ao Estado e à Lei garantirem os direitos, punirem a discriminação e darem o exemplo pedagógico à sociedade. Ao tornar-se num país pioneiro ao nível da igualdade no acesso ao casamento civil, o Estado português diz, no fundo, que é igualmente digno ser-se hetero ou homossexual. Falta a gora garantir que as crianças que as famílias feitas de casais do mesmo sexo têm vejam as suas duas figuras parentais reconhecidas – através da perfilhação ou co-adopção; que os casais do mesmo sexo possam candidatar-se à adopção (testadas, evidentemente, as suas capacidades parentais como deve acontecer com qualquer casal e independentemente da orientação sexual); e que as mulheres solteiras ou casadas com outra mulher possam recorrer à procriação medicamente assistida (como acontece em Espanha desde os anos 80). O combate à homofobia é tão imperativo como o combate ao racismo e, pelas mesmas razões, alcançar uma sociedade não-homofóbica é tarefa de todos e todas – homossexuais mas também, e se calhar sobretudo (por serem a maioria), heterossexuais.

Publicado na Página IGUALDADE XXI no Jornal Diário Insular de 29 de Julho de 2011

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