quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Eu escolhi viver…

25 de Novembro
Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher


Eu escolhi viver…


Eu sou uma mulher como todas as outras. E como muitas outras vi-me enredada na teia dos maus-tratos.
No início nem me apercebi do que estava a acontecer, era muito nova, tinha 20 anos, e deram-se alguns comportamentos que só depois compreendi o que significavam – a pressa para casar, para me ter sob o seu controlo, a critica constante da minha forma de falar, de proceder. Fazia-me sentir condicionada, com dúvidas em relação a mim própria. E o ciúme? Por acaso não me iludi com o mito do ciúme ser sinónimo de amor, como acontece com tantas jovens… desde o início percebi que o ciúme era sinal de insegurança da parte dele.
Ele bebia muito, e quando bebia era bastante agressivo verbal e psicologicamente. Por vezes parecia louco, de algo insignificante fazia uma tempestade num copo de água e eu tinha de me calar e de me submeter. Com o tempo o seu comportamento agravou-se, ele foi-se tornando cada vez mais violento verbalmente – as palavras eram de uma violência extrema, e feriam de forma brutal…
A agressão física veio muito mais tarde, mas a partir desse dia, percebi que nunca mais podia confiar nele. Para mim, amor é sinónimo de confiança e respeito, e isso perdeu-se a partir daquele dia em que me bateu pela primeira vez. Eu soube logo aí que o meu casamento iria acabar um dia, porque não podia permanecer com uma pessoa assim, o que eu não sabia é que ainda levariam muito anos até isso acontecer.
Vivíamos no estrangeiro, e eu tinha conhecimento dos recursos de apoio existentes, mas nunca os procurei… a vergonha levou a melhor. Queria esconder de todos a minha situação, não contava a ninguém, guardava tudo para mim. As minhas colegas de trabalho apercebiam-se, porque eu aparecia várias vezes magoada mas nunca perguntaram nada, não se falava sobre isso. É o mesmo que acontece quando vemos alguém com uma deficiência física que nos choca muito, mas não temos coragem de perguntar “Porque é que tu estás assim? O que é que te aconteceu?”.
Eu dizia ao meu marido que não aceitava o facto de ele me bater, nem de ele beber em excesso, ele respondia-me que tinha de aceitar, tal como as outras mulheres aceitavam, mas eu não me conformava! Cá dentro sentia uma revolta contra aquilo. Não merecia ser tratada assim!
Quando voltámos para a Terceira, pensei que ia ficar mais protegida, perto da minha família, a exercer a minha profissão… mas o comportamento dele piorava a cada dia, e o pavor era o sentimento predominante na minha casa. Eu odiava a minha casa. As nossas filhas também sentiam a tortura psicológica que dominava o dia-a-dia.
Saí de casa algumas vezes, mas aí surgiam os pedidos de desculpa e promessas de mudança, que me faziam regressar… e após breves períodos de bonança, as tempestades voltavam com agressões e ofensas cada vez mais graves. O problema do alcoolismo agravava-se e ele finalmente procurou ajuda. No entanto, mais tarde acabou por se tornar dependente de medicação, que alterava ainda mais o seu comportamento. Muitas vezes senti que corria perigo de vida, e o medo de morrer surgiu em várias situações, mas a esperança na mudança faziam-me ficar mais um dia, mais um mês, mais um ano…
O que mais me magoava era a atitude das outras pessoas: “Então? Ela não sabe o que quer!”, “Porque não o deixa?”, “Não se decide!”, “Se continua a apanhar é porque gosta”. Para mim estes comentários demonstram absoluta ignorância acerca do que é viver a violência conjugal e o condicionamento psicológico a que a mulher é sujeita ao longo dos anos. Não percebem que é muito difícil terminar um casamento, acabar com uma família, há muitas coisas em jogo, muitos factores pesam sendo o medo um dos principais, apesar do desejo absoluto de libertação.
Eu sentia-me doente física e psicologicamente, cheguei a ter reacções que mais tarde considerei que não eram normais. Numa ocasião, após uma agressão andei na rua a deambular sem destino, não sei por onde andei, mas sei que entrei num consultório e o médico analisou a minha ferida e fez um relatório. Saí de lá com o relatório na mão, escondi-o, e nunca mais me lembrei que tinha estado no médico. O desgaste e exaustão eram tais, que já não conseguia lidar com a situação. Já não me reconhecia, com a minha auto-estima completamente em baixo, já não aguentava mais, senti que tinha chegado ao fundo do poço…
Uma frase fez a diferença. Um dia uma amiga, que já tinha vivido a mesma situação disse-me: «Tu queres morrer ou queres viver? Se ficares, vais morrer às mãos dele.» Foi este o clique da mudança. Naquele dia tomei a decisão final, procurei um advogado, planeei a minha saída, e nunca mais voltei… foi o primeiro dia do resto da minha vida, a primeira vez que dormi sem medo em anos. Mas não foi o início da minha paz. Ainda fui perseguida, agredida na rua, e ameaçada de morte. Através das minhas filhas, soube que tinha adquirido armas para me matar. O divórcio foi litigioso, moroso e doloroso… um processo que se arrastou durante cinco anos. Finalmente consegui libertar-me, mas o alívio só surgiu quando ele morreu, devido a doença prolongada.
Sei que muitas mulheres vivem o mesmo. Este testemunho é também para que não se sintam sós, comecem a pensar nelas próprias e não neles. Não pode haver amor onde não há confiança e respeito. Sejam mais fortes que a vergonha, e o medo de dar o passo decisivo… procurem ajuda! Sozinha é muito difícil. Toda a mulher tem direito a viver com dignidade e em paz. Lembrem-se também dos filhos e filhas, que ficam afectados psicologicamente e que isso vai influenciar as suas relações no futuro. Refaçam a vossa vida, mas com cautela, porque o perigo de cair na mesma teia é muito grande. Só com tempo se consegue estabilizar e escolher a pessoa certa, que nos dê valor e nos respeite como pessoas válidas e merecedoras que somos.

M.

Publicado na página Igualdade XXI – Jornal Diário Insular de 25 de Novembro de 2010



SAIBA SE É UM POSSÍVEL AGRESSOR

25 de Novembro
Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher

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SAIBA SE É UM POSSÍVEL AGRESSOR

É extremamente ciumento das pessoas que prestam atenção à sua companheira?

Tenta controlar os gastos financeiros, os actos e com quem se relaciona socialmente a sua companheira?

Procura transmitir-lhe medo através de determinados olhares ou por acções e gestos tais como: partir ou danificar objectos pessoais ou exibir algum tipo de arma?

Já ameaçou matá-la ou suicidar-se?

É sempre você quem toma todas as decisões?

Proíbe-a de ver ou falar com amigo/as e pessoas da família ou limita os seus movimentos e acções no exterior?

Culpa a sua companheira pelos seus actos violentos?

Já ameaçou matar os seus animais de estimação?

Vexa-a diante de outras pessoas, humilha-a, procura baralhá-la, levando-a a pensar que estará doida?

Impede-a de obter um emprego ou de poder continuar no emprego que tem?
Desincentiva-a a estudar?

Tira-lhe o seu dinheiro ou não lhe dá qualquer informação sobre as receitas e bens do casal?

Quando discutem ameaça tirar-lhe o/as filho/as?

A sua companheira torna-se demasiado calada quando você está por perto, com medo de o fazer zangar-se?

Cancela planos comuns no último momento sem dar justificações à sua companheira?

Tem necessidade de explicar à família ou aos/às amigo/as escoriações e marcas roxas que a sua companheira por vezes apresenta?

Publicado na página Igualdade XXI – Jornal Diário Insular de 25 de Novembro de 2010